João Carlos Almeida dos Santos: ‘A eliminação das desigualdades sociais e raciais será uma conquista de todos’

Silvia Abreu • 25 de agosto de 2020

Entrevista com o Presidente da Frente Negra Gaúcha

À frente da presidência da Frente Negra Gaúcha (FNG) desde 2019, o economista e advogado João Carlos Almeida dos Santos tem o desafio de aglutinar os diversos segmentos compromissados com os ideais de uma sociedade mais justa, equânime, inclusiva, diversa e humana. Primeiro presidente eleito da FNG, ele possui uma longa caminhada à frente de movimentos e iniciativas ligadas à causa da promoção da igualdade racial. É bacharel em Ciências Econômicas e em Ciências Jurídicas e Sociais, ambas pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul PUC-RS. É pós-graduado em Administração Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Funcionário público estadual aposentado, ocupou os cargos de Técnico Fazendário da Secretaria Estadual da Fazenda do Estado (1980/1991) e de Auditor Público Externo. Foi economista do Tribunal de Contas do Estado (1991/2015) e Assessor Especial da Secretaria da Segurança Pública do Estado (1999/2004), tendo, ainda, exercido a função de diretor do Departamento Estadual de Irrigação e de secretário estadual- adjunto da Secretaria de Obras do Estado (2010/2015). Também foi Secretário Municipal da Fazenda de Canoas (2017/2018). Nos próximos dois anos de sua gestão, Santos pretende tornar a entidade propositiva, no sentido de demonstrar à sociedade em geral (negros e não-negros) que a eliminação das desigualdades sociais e raciais será uma conquista de todos e para todos, com vantagens, benefícios e desenvolvimento socioeconômico para toda a Nação.

FNG: No momento em que a luta antirracial ganha contornos mundiais, a Frente Negra Gaúcha surge com a finalidade de diminuir a desigualdade social e étnica. O que o fez se integrar a este movimento?

João Carlos:  É necessário dizer que a ideia da Frente Negra Gaúcha estava no imaginário de seus idealizadores há muito tempo, mas apenas neste último ano fomos capazes de articular seu surgimento. A necessidade de participação no equacionamento da desigualdade social no País, por meio de pautas propositivas para implementação de políticas públicas que atendam tal objetivo, assim como o necessário enfrentamento das questões que envolvem a desigualdade racial, foram os motivos fundamentais para criação da Frente Negra Gaúcha. Então, os fatos recentes, de repercussão nacional e internacional, que recrudesceram a luta contra a discriminação racial e ampliaram os fóruns desta discussão, vêm reforçar a necessidade de a população negra, via ações articuladas e organizadas, enfrentar o racismo em todas as suas formas e consequência. Neste contexto, a Frente Negra Gaúcha se apresenta como alternativa.

FNG: Como o senhor avalia o atual contexto sócio-político e como ele favorece o surgimento da Frente Negra Gaúcha?

João Carlos: O surgimento de uma crise sanitária mundial sem precedentes, provocada pela COVID-19, veio escancarar de forma traumática a desigualdade social no Brasil. E, somem-se a isso, as mais diversas ações de arbítrio e violência contra a população negra no Brasil, abrigada sob o manto de Política de Segurança Pública. Destacam-se, ainda, os protestos ocorridos nos EUA por mais uma morte negra vítima de ação policial. Tais fatores demonstram inequivocamente a necessidade urgente de uma mobilização efetiva da população negra no sentido de enfrentar estas questões. A Frente Negra Gaúcha se estimula, se consolida e se fortalece como parte integrante desta população e irá, certamente, participar efetivamente desta luta.

FNG: Qual o principal, ou principais compromissos da Frente Negra Gaúcha nos próximos dois anos de sua gestão?

João Carlos: Acreditamos que os primeiros passos foram os mais difíceis. A institucionalização da Frente Negra Gaúcha requer que, inicialmente, mobilizemos as pessoas e, depois, cumpramos ritos legais de instalação, como estatuto, regimento, planejamento e registros cartoriais para sua formalização, estruturação financeira; estas etapas já estão cumpridas. Temos muitos sonhos e propósitos, mas esta administração, em especial, deverá consolidar a atuação da Frente no sentido de levar a população negra gaúcha a uma reflexão profunda sobre a necessidade da representatividade negra nos espaços de poder. Pretendemos iniciar a proposição de pautas para ações públicas que minorem as dificuldades das populações mais vulneráveis da cidade, ações na área da educação, não apenas com a elaboração de propostas, mas, também, na atuação no âmbito da formação, da mesma forma na área da Saúde com ênfase na informação e formação junto às comunidades; na área de emprego e renda com ênfase na participação de empreendedores negros, ações e promoções culturais, ampliar nossa atuação social com ações solidárias. Estes seriam os objetivos a serem atingidos no primeiro momento.
É importante destacar, também, que a consolidação da FNG passa, necessariamente, pela sua integração e inter-relação com as demais entidades onde estejam presentes a população negra, clubes sociais, associações comunitárias, terreiros de religião de matriz africana, entidades culturais, carnavalescas, esportivas, e todas as instituições públicas e privadas com interesses afins, encaminhamentos que serão objeto da nossa rede de comunicação social.

FNG: No que tange à representação política, as pessoas pretas/pardas encontram-se sub-representadas em todas as esferas de poder, seja no legislativo, no executivo, quanto judiciário. Uma das linhas de atuação da FNG é a promoção desta representatividade nos parlamentos municipal, estadual e federal. Como presidente da FNG, como o senhor pretende conduzir este processo nos diferentes espaços de poder?

João Carlos: Sob esse aspecto é necessário destacar que a FNG é uma instituição suprapartidária, o que significa dizer que a FNG prestará seus esforços e meios possíveis de apoios para ocupação de todo e qualquer espaço de poder para negros alinhados e comprometidos com os objetivos da Frente Negra Gaúcha.

FNG: Outro dos desafios assumidos pela FNG é conscientizar a população negra de sua própria etnia e do seu potencial. Como isso será alcançado?

João Carlos: Esta será outra árdua tarefa, mas acreditamos que com nossa rede de comunicação, com a implementação de cursos de formação e com a articulação com os demais espaços e entidades, já referidas, cumpriremos está importantíssima meta. 

FNG: O movimento negro está, há mais de um século, à frente do combate pela igualdade racial. Neste sentido, a FNG representa um passo importante na evolução destas lutas. Como o senhor avalia as críticas de alguns setores de que falta um projeto político para o movimento negro?

João Carlos: Considero que as críticas precisam ser respeitadas, obviamente, mas a situação da luta pela igualdade racial precisa ser relativizada. Há de se considerar que após 300 anos sob a égide de um regime escravagista cruel, que levou o povo negro a uma condição de miséria, a todo tipo de restrição (educação, saúde, habitação, emprego etc. ), é imperioso destacar que somos apenas a segunda geração de negros não escravizados resultantes de todas estas precariedades, que pós abolição se mantiveram e tomaram tantas outras novas formas e, mesmo assim, diante de tantas adversidades, é cada vez mais notória e marcante a atuação do movimento negro. Obtivemos conquistas e avanços significativos, como por exemplo, as conquistas por políticas de ações afirmativas; ou as de natureza jurídica, como o Estatuto da Igualdade Racial; ou as de natureza intelectual, como a construção de uma linguagem e uma base teórica para produção de conhecimento que resulta em uma consistente e respeitável produção literária voltada para o progresso e a reflexão sobre as questões da negritude e suas relações sociais. E eu poderia citar tantos outros exemplos.
Entretanto, há de se considerar que este é um processo com desdobramentos complexos e difíceis, com avanços, estagnações e, infelizmente, passíveis, inclusive, de retrocessos. Mas acredito que o movimento negro está num caminho sólido e com capacidade suficiente de trilhar bons rumos. Não se deve perder de vista que esta é uma luta constante, diária, árdua e longa e com desfecho que parece ainda distante, mas que requer perseverança, esperança e, sobretudo, união.        

FNG: Como a Frente Negra Gaúcha pode contribuir para esta maior articulação dos movimentos negros?

João Carlos: Inicialmente, integrando-se ao movimento, organizando e arregimentando forças, contribuindo com proposições e ações que articulem e inter-relacionem os segmentos sociais que integram o movimento. 

João Carlos: Temos muitos sonhos e propósitos. Foto: Lucas Ferreira

João Carlos: Temos muitos sonhos e propósitos. Foto: Lucas Ferreira

FNG: As mulheres negras/pardas possuem um papel importante na base do tecido social, mas são alvo de sistemática desvantagem em todos os principais indicadores sociais e de mercado de trabalho, sofrendo uma dupla discriminação (de gênero e raça). Em termos de salários, por exemplo, a mulher branca, possui rendimentos superiores não só aos das mulheres pretas ou pardas, como também aos dos homens dessa cor ou raça (razões de 58,6% e 74,1%, respectivamente). Como a FNG pretende atuar para que estas discrepâncias sejam superadas? Qual o papel das mulheres nos propósitos da FNG?

João Carlos: É sabido e notório que as consequências mais nefastas das desigualdades sociais e raciais recaem sobre as mulheres negras. Na Frente Negra Gaúcha, as mulheres têm papel fundamental e de protagonismo em todos os setores e áreas de atuação. Inclusive, é matéria Estatutária a proporcionalidade de gênero em nossos quadros. É propósito imediato desta gestão a criação de um Núcleo da Mulher na Frente Negra Gaúcha. 

FNG: As desigualdades acumuladas na experiência social da população negra têm afetado, em grande medida, os jovens. A precarização no processo de escolarização, a dificuldade de acesso à tecnologia são aspectos que colocam o jovem negro em situação de desvantagem em relação aos não negros. Por outro lado, temos o genocídio da população jovem negra (23 mil jovens negros são mortos por ano segundo o Mapa da Violência). Como a FNG pretende atuar na busca de políticas que propiciem oportunidades iguais para todos? Qual papel será reservado aos jovens nesta luta? 



João Carlos: Temos esse conhecimento, mas evidentemente, não temos o poder de transformação imediato destas questões. Todavia, sabemos da necessidade de integração dos jovens negros a esta Plataforma de Representatividade Negra e de Ocupação de Espaços de Poder, porque serão eles os protagonistas das resultantes ações, avanços e conquistas da instituição. 


FNG: Qual deve ser o papel do Estado no combate à desigualdade social e étnica?



João Carlos: Ao Estado cabe implantar as políticas públicas nestes combates. Mais do que isso, é mister que o Poder Público no exercício pleno da democracia estimule e auxilie os segmentos sociais no aprofundamento das discussões e soluções, no sentido da elaboração e implementação de ações e políticas de toda e qualquer natureza, que contribuam para a diminuição das desigualdades econômicas e sociais e para o enfrentamento do racismo na sociedade brasileira.



FNG: Como a sociedade pode se engajar neste projeto político da Frente Negra Gaúcha?



João Carlos: Nesse aspecto, teremos que ser propositivos no sentido de demonstrar à sociedade em geral (negros e não-negros) que a eliminação das desigualdades sociais e raciais será uma conquista de todos e para todos, com vantagens, benefícios e desenvolvimento socioeconômico para toda a Nação.



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No último sábado, dia 2 de dezembro, tomou posse a nova diretoria da Frente Negra Gaúcha, durante jantar-baile realizado nas dependências da Associação dos Servidores do Tribunal de Contas do Estado. A data também marcou as comemorações do Dia Nacional do Samba. A pedagoga e defensora dos direitos humanos, Vanessa da Silva Mulet, assume a presidência em substituição a João Carlos Almeida dos Santos, que presidiu a entidade por duas gestões consecutivas. Mulet tem como vice-presidente, a bióloga e ativista negra Maria Cristina Ferreira dos Santos. O encontro foi marcado pela presença de grandes personalidades políticas, como das deputadas federais Reginete Bispo e Daiana Santos, que também comemoravam a mais recente conquista do movimento negro e de toda a sociedade, a aprovação da data de 20 de novembro como feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra, que passa a se chamar, agora, de Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, como forma de combate à luta antirracista, proposta do qual Reginete Bispo foi relatora, e que teve atuação marcante de Daiana Santos na composição da Bancada Preta da Câmara dos Deputados. A vereadora da Bancada Negra, Cuca Congo, também se fez presente.  A diretoria que irá comandar os destinos da entidade no biênio 2023-2025 está assim constituída: Presidente, Vanessa da Silva Mulet; Vice-Presidente, Maria Cristina Ferreira dos Santos; Secretária, Tânia Maira dos Santos; Substituta, Margarida Martimiano; Diretoria de Formação Política, Kleber da Silva Rocha; Substituto, Luís Carlos de Oliveira; Diretoria Social, Silvio Garcias; Substituto, Francisco Paiva Moreira; Diretoria Financeira, Eliane Carvalho Valcam; Substituto, Luís Carlos Souza dos Santos; Diretoria de Comunicação, Maria Helena dos Santos; Substituta, Aline Alves. No Conselho Fiscal, os Titulares são Euclides Martins Camargo, Édson Camargo da Cunha e Rogério Wanderley de Oliveira Ribeiro, tendo como Suplentes, Fábio Fonseca da Silva e José Guarassu Barbosa.
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