Inovação para a comunidade

Frente Negra • 17 de março de 2021

Michel Couto, presidente da Agência Formô, fala sobre passado, presente, futuro e de como ajuda a mudar realidades na comunidade do Morro da Cruz

Entre tentativas de comunicação, idas e vindas de compromissos de uma agenda lotada, Michel, finalmente, me recebe em seu ambiente de trabalho - através da tela do seu computador. Nosso encontro é pelo Google Meet, onde o saúdo e agradeço pelo tempo dedicado à nossa entrevista. Michel sorri, argumentando que também tentou entrar em contato comigo, mas não o tinham avisado que o DDD era diferente, portanto, o WhatsApp não acusava nenhum nome por trás do número de telefone. Atrás de Michel, o logo da Agência Formô transmite o seu objetivo de mercado. As linhas tracejadas formando quase um triângulo remetem diretamente à ideia de conectividade e comunicação. À Frente Negra Gaúcha, o empresário falou sobre experiência profissional, projetos e o que espera para o futuro da comunidade do Morro da Cruz.
 
Michel Rafael Couto, 35 anos, teve o seu primeiro contato com comunicação quando passou a trabalhar em uma agência de publicidade em Porto Alegre. Logo na saída, ele brinca com o seu início nessa etapa “Como todo o bom negrão, alto, passadas largas e bonito (risos)… Como que a gente começa numa agência de publicidade? Pela portaria, né?” A oportunidade veio por meio de sua mãe, que trabalha no local como copeira. Na época, não tinha o segundo grau completo e não se ligava tanto na questão de formação acadêmica. Autodidata, Michel revela que sempre estudou por conta própria. Na sua função, recebia clientes, funcionários e os jobs que eram entregues e feitos no período noturno. Entre conversas e cafés com os colaboradores da agência, o seu momento chegou:

- Gustavo e o Gabriel (colegas de trabalho), pessoas super importantes na minha caminhada, me deram uma oportunidade. Chegaram pra mim e perguntaram ‘Michel, tu não quer aprender com o software?’

A partir dali, autodidata, Michel entrou em ação. Estudando com os amigos, p assou a fazer exercícios nos softwares gráficos e aprender sobre as ferramentas. Ele detalha esse capítulo da sua vida como “uma espécie de faculdade, de curso profissionalizante. Não foi à toa que saí da empresa como Diretor de Arte. Tenho essa experiência na carteira de trabalho, graças a esse período em que estive lá”, avalia.

Em 2008, os Estados Unidos enfrentava uma depressão imobiliária. A crise econômica chegou ao Brasil e atingiu a empresa que Michel trabalhava e, no ano seguinte, ele foi dispensado. Michel detalhou que se viu perdido por um momento, mas, ainda naquele ano, olhou melhor para dentro da comunidade em que morava. “Eu comecei a perceber as pessoas tinham uma necessidade de se comunicar melhor dentro da própria periferia.” Com a experiência adquirida, Michel estudou o ambiente que o cercava e começou a empreender na comunidade. 

Ele conta que, no início, começou a bater de porta em porta. Conquistou alguns clientes e desde então passou a trabalhar por conta própria. Abriu uma gráfica expressa chamada De Visão, onde fazia trabalhos gráficos que, mais pra frente, acabou criando logomarcas, slogans… “A gente começou a perceber que era muito mais que uma gráfica, pois fazíamos consultorias, ajudávamos clientes a fazer uma apresentação de marcas e aplicávamos em diversos materiais…”

Foi nesse meio do caminho que surgiu Marco Ribeiro, um antropólogo que ajudou Michel, dando-lhe mais confiança no empreendedorismo focado na periferia. Foi ali que surgiu a Agência Formô, especializada em negócios e pessoas vindas das comunidades. O trabalho da Formô ganhou notoriedade no cenário periférico, onde Michel estava inserido. 

Nanonegócios

O perfil de cliente da agência, conta Michel, são os nanonegócios, ou seja “aqueles negócios que são realizados no porta-mala do carro ou pela “tia” que vende pastel enquanto seus netos saem… Esse era o nosso foco.” No Morro da Cruz, atividades como pesquisa de mercado, mudanças de nomes de empresas locais e mais métodos de publicidade, ali aplicados, fizeram com que a agência ganhasse notoriedade pelo seu trabalho. O envolvimento o levou a palestrar em ambientes acadêmicos, assim como promover eventos e juntar parceiros naquele cenário. Por mais que a Agência Formô tenha 2014 como ano de nascimento, desde 2009, ela veio se construindo por meio dos trabalhos dentro da comunidade do Morro da Cruz.

O Espaço Morro da Cruz foi um projeto que veio depois da Agência Formô. Michel conta que a ideia surgiu quando percebeu que a Agência Formô havia ganhado novos ares, gerando um ambiente de comunicação corporativa. A ajuda à população periférica tornou-se algo mais prático e recorrente. Percebendo isso, nasceu o projeto Morro da Cruz Center, o primeiro centro comercial do Morro da Cruz. Nele, com o apoio de parceiros, Michel conseguiu abrir sete lojas dentro do novo espaço. Cerca de uma semana, ele conseguiu alugar todos os espaços do centro comercial. O Jornal do Comércio fez uma reportagem sobre o espaço, o que ajudou na divulgação do projeto. Lá dentro, conta Michel, havia “uma peixaria, uma loja de roupas, uma loja de artigos campeiros, um café, a Gráfica Expressa (que posteriormente mudaria para Agência Formô) e um salão de beleza”. 

Com a vinda da pandemia, o centro comercial teve que fechar devido às restrições sanitárias impostas pelo Estado. Com a saída do sócio, Michel se viu na necessidade de se reinventar, não querendo fechar. “Então nasceu o Espaço Morro da Cruz, bem como a fórmula do Einstein (E=MC²), um ambiente de capacitação de pessoas e conexão de projetos externos. Não é uma ONG ou uma empresa, mas faz um papel social e a gente acaba conectando pessoas. Elas nos tornaram referência." 

Michel relembra que, no final do ano de 2020, conseguiram fazer a entrega de ranchos e brinquedos em ações sociais. Atualmente, o Espaço Morro da Cruz centraliza projetos como a Rádio Poste, que são duas caixas de som na esquina do local do E=MC², além de contar com o ambiente preparado para receber treinamentos, oficinas e reuniões. Também tem a marca de roupa MDC Store, que se propõe a estampar a história e a representatividade periférica nas camisetas. 

O Natal Morro da Luz nasceu como ação social em volta do próprio Morro da Cruz Center. Michel explica que conseguiu contato com jornalistas, enquanto organizava o evento junto a pessoas e empresários da comunidade. André Machado, do jornal Metro, publicou uma nota a respeito do Morro da Luz. A publicação resultou na ligação do secretário de cultura de Porto Alegre, que apoiou o projeto. “Foi algo grandioso! Tinha um palco, aqui, todo estruturado, para os artistas locais se apresentarem, shows, atividades culturais para as crianças, distribuição de doces, projetos de escolas de música se apresentando”, recorda.

O empreendedor analisa que a resposta a esse projeto por parte da população foi o aumento da autoestima das pessoas, pois muitos não se viam apresentando alguma atividade em cima de um palco com várias pessoas olhando e aplaudindo. O projeto do Natal Morro da Luz contou com a presença do prefeito de Porto Alegre, a época, Nelson Marchezan, e também com a participação do vereador Odacir Oliboni. Michel observa a importância disso, “mesmo que lados políticos estejam polarizados, para o evento do Morro da Luz, ambos se juntaram pelo bem maior”, nesse trecho da entrevista, ele conclui: "Meu partido é o Morro da Cruz”.

Parcerias

Diferente de 2019, o Natal Morro da Luz de 2020 ocorreu em ambiente virtual. Michel conseguiu parceiros para o projeto, como a Frente Negra Gaúcha, que esteve presente no apoio, por meio de sua Diretoria Social. A presença do público atingiu o esperado, tendo até 30 pessoas assistindo ao evento, simultaneamente, e as atrações culturais também partiram de artistas do morro.

O sucesso do Morro da Luz poderá colocar as atividades culturais da comunidade dentro do calendário cultural de Porto Alegre. Isso trará mais visibilidade à comunidade, como já acontece com a Procissão do Morro da Cruz (Paixão de Cristo). “As únicas vezes que eu via o Morro da Cruz sair no noticiário por coisa boa, era por causa da procissão. Então a gente realmente vem para marcar o Morro como uma atividade cultural”, festeja.

Ainda sobre a autoestima da população periférica, Michel relembra que o esforço em sua luta pela comunidade, no âmbito cultural, ocorreu neste ano, quando conseguiram colocar os enfeites de natal pelas ruas do Morro. “Aí, de repente, eu recebo um áudio de um pai relatando a emoção da filha ao ver um papai noel gigante na esquina. “Isso não tem preço, só o fato de a gente não precisar ir num shopping pra ver isso”. “Esse 2020 foi sensacional por escutar relatos como esse”, diz.

Para projetos futuros, Michel revela os planos para um empreendimento chamado Turismo Periférico, tendo como objetivo contar a história do Morro da Cruz. Michel fala que o local foi o berço da criminalidade e menciona a história de José Carlos dos Reis Encina, vulgo Escadinha, traficante de drogas e fundador da Falange Vermelha (atual Comando Vermelho). Morto em 2004, Escadinha se dedicava a letras de rap e, em um momento na vida, passou uma temporada escondido no Morro da Cruz, em Porto Alegre. A ideia é criar uma visita guiada por dentro da comunidade contando esta e outras estórias. Outra investida que também está no radar do empresário é um evento de cervejas artesanais na comunidade, com shows, beer trucks e outras atrações.

Algo que chama a atenção nas iniciativas sociais de Michel é o olhar de dentro para fora. Não só pela Agência Formô, mas de como o empresário absorve as parcerias para fazer a diferença dentro do Morro da Cruz. Ele explica que isso significa a própria transformação de dentro pra fora. “Onde a gente se sente seguro? Onde a gente pode bater no peito e dizer quem somos sem precisar reafirmar isso?” Ele relembra um episódio enquanto palestrava na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), quando falou aos alunos sobre a importância de produzir dentro do seu cenário, ao invés de produzir algo para fora. “Inovação é trazer determinada tecnologia ou conhecimento onde ela não tem. Isso pra mim é inovação”, assegura. Ele afirma que olhar para os quilombos e espaços negros urbanos é algo fundamental para o desenvolvimento de grandes periferias.

Por Rafael Costa

Legenda da foto principal: FNG firma parceria com a Agência Formô. Na foto, Michel, ao fundo, à frente, Cléber e os diretores Luis Carlos, João Carlos e Silvio.
Legenda da foto secundária: FNG fez doações para o Natal Luz.
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