Crônica do José Alberto
José Alberto Santos da Silva • 1 de outubro de 2020
Ovinos na Chuva
Nesse enjoado final de inverno, chove. Chove numa permanência úmida que desanima. Chove muito. Friozão, geada, até neve já caiu. Fortes ventos envergando as árvores do matagal do Urubatã, jogando galhos e folhas no meu quarto. Qualquer resfriado de dois dias e a gente pensa que está com aquela outra gripe, não dorme em autovigilância porque a “outra” não só ronda como mata a velharia do arredor. Como foi que eu peguei esse vírus? Depois de seis meses preso, por que não andei flanando antes? Culpa da Rainha que de doce azedou no agridoce. Tanto se adoece por aqui que há sempre uma ambulância cata velho subindo e descendo minha rua. Para fugir do tédio dormito todo dia. O silencio é tal no Cadeião que acordo até com os muxoxos da minha carcereira. A noite mal dormida da chuva incomodou o mundo inteiro. Tenho vontade de gritar – “tu não manda em mim!”, levantar e sair para um samba rasgado no Boteco do Caninha. Leio Ronald Augusto, releio Sidney Schneider, apanho dicionário, recosto, ligo rádio ou TV, às vezes os dois sem som, enfim, se isto não for piripaque de preguiça deve ser inflamação da minha vileza, como ela diz.
Sonolento durante o dia, quero que anoiteça duma vez; na noite quero o amanhecer; lamento prisão em casa em dias de sol para lamentar, também, os dias da semana que se confundem na chuva. Coisa do isolamento penitencial. A torinha pós-almoço, mesmo que se prolongue até às 18 horas não estraga meu sono da meia noite. Só a chuva estraga. E tem chovido. Sinto a inquietação dos humores que surtam durante temporais. Do meu lado, de corpo presente, ela sugere filmes para depois dos jornais. Vejo no relógio meia hora após o começo do filme e seus óculos escorregam do nariz. Tem feito Sol de verão durante o dia para chover à noite. Então, desperto mesmo, noite em claro. Já fui à janela fazer cara feia aos chuviscos. Quando aposto que não vai chover nesta noite, ouço trovejares à distância; eles se aproximam até parecerem explosão de estrelas debaixo da minha cama. Quase prêmio à maioria normal das pessoas. Se a chuvinha vier depois de uma janta, ao som da vitrola cantando Iara Lemos e Preta Joyce, torna-se delícia, pois sonham com novo formato social que elimina doenças e por 360 anos nos dá vida plena sem deuses nem diabos.
Nunca mesmo eu vivi situação tão calamitosa assim para ter trauma de chuva forte de desbarrancar encostas e fazer rir nossas declividades sociais; eu não devia ter pânico de ventania com destelhamentos, árvores caídas, inundações, porque não para de chover. Só uma vez por ano acontece de a chuva forte fazer deslizamentos no morro do Urubatã, só uma vez por ano acontece da ventania destelhar várias casas, de árvores caírem na minha sala ou na cozinha trazendo inundações. Vejo minhocas virarem cobras, aranhas peludas só faltam falar que estou em seus espaços e os sapos lembram seus ancestrais da pré-história. E o ruído da chuva persiste intermitente até faltar luz. Semana passada foi tanta água descendo morro abaixo que fez desaparecer tanto a ambulância cata velho como os homens meninos que mantém relacionamento sério com a vagabundagem das facções e que vivem no entorno do colégio e de uma praça para cobrar proteção da vizinhança.
Hipocrisia mesmo é sentir vontade de levantar e resolver o problema dos mal abrigados em casebres precários feitos de caixotes e papelões. A chuva ameaça com algo inesperado. Passo pelo sentimento do bombeiro enlouquecido no transe da salvação. Tudo se explica com a enchente de São João Carlos, os trovões de São Leoti, as ventanias do Orixá Cristina, a soberania do Santo Arnaldo. O ouro branco, o petróleo, já teve suas culpas, daqui a pouco será o dólar chinês, mas agora é a chuva noturna. Penso em áreas inundadas, deslizamentos, granizo furando telhas, barro, crianças tossindo, velhos febris, fogões que não aquecem, periferia da periferia sem escolas, sem saneamento básico, onde vicejam as dores do abandono e do comprometimento criminoso da política em todos os níveis. Abertamente. Atende ou não ascende na escala política; atende ou a criminalidade organizada cumpre promessas de executar parentes e afetos. Clamores em chamas nesta clave de dor expõem a mentira brasileira da igualdade, reina ali o profeta do mal impune no preparo de uma fogueira no tamanho de um país. A pandemia se mostrou verde/amarela de norte a sul.
Para que ninguém negue a história, tudo está fotografado pelo Ireno Jardim, que sente dores, mas não chora. Deus proverá teu restauro e serás acolhido pelo Irmão Hospitaleiro. Entidades zombeteiras gargalham de suas próprias quedas no lamaçal da vergonheira e nós, feitos de ovelhas, sobrevivemos rindo e dançando com o destempero da má sorte da negação do que refletimos no espelho. Pastores pedem a paciência das ovelhas enquanto são barranqueadas na chuva. Inocentes, meus vizinhos são levados pela mão a censurar regimes políticos estrangeiros que submetem o povo pela “força” ou, então, meus vizinhos são induzidos a condenar seus iguais oprimidos, pela casual maioria negra presente em lugares de muita chuva. Em Porto Alegre moro nas ilhas alagadas, no Humaitá, em frente ao esgoto a céu aberto nos confins da Zona Sul. A graduação em nível superior já não garante saída das favelas por culpa da chuva. E pensar que ganhei de meus padrinhos de batismo cristão, o casal Hilda e Ary, um anel de formatura no Ginásio; serviria para incentivar minha espiritualidade e superar intempéries; aquele anel seria suficiente para minha realização há cinquenta anos. Chamados a refletir desde lá, os “ovelhos” se perguntam: - quem sou eu além de um único voto secreto?
Enquanto chove noite adentro, recorro aos amigos insones. Sem gratuidade em pensamentos e ideias, exigem participação efetiva nas conversas sem margem para tergiversar quando eu só queria distração. Se o sono bate me obrigo a dizer: - tiasmanhã! – mesmo me sentindo descortês. Noutra noite inquieta de chuva pensei que a Rainha Doce estivesse nos braços de Morfeu e relaxei; meigamente ela perguntou se era verdade que eu estaria soltando meus gases de odores internos debaixo do cobertor tão limpo? Apostei no silêncio. Ovelha inocente, ela ficou quieta sem saber que aquele que cala parece consentir. Meu olho ardia e brilhava como uma bolita, de iluminar todo quarto. Estava alerta como um escoteiro. No outro dia de manhã, ao telefone, ela conversou com uma comadre por mais de hora e o tema principal foram queixas maritais. Desligou o aparelho com um dedo e com o outro atendeu novo chamado para começar assim:
- Sabias que o meu chegou ao estágio de peidar dormindo?
Ilustração:
Juliette S. Bavaresco

No último sábado, dia 2 de dezembro, tomou posse a nova diretoria da Frente Negra Gaúcha, durante jantar-baile realizado nas dependências da Associação dos Servidores do Tribunal de Contas do Estado. A data também marcou as comemorações do Dia Nacional do Samba. A pedagoga e defensora dos direitos humanos, Vanessa da Silva Mulet, assume a presidência em substituição a João Carlos Almeida dos Santos, que presidiu a entidade por duas gestões consecutivas. Mulet tem como vice-presidente, a bióloga e ativista negra Maria Cristina Ferreira dos Santos. O encontro foi marcado pela presença de grandes personalidades políticas, como das deputadas federais Reginete Bispo e Daiana Santos, que também comemoravam a mais recente conquista do movimento negro e de toda a sociedade, a aprovação da data de 20 de novembro como feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra, que passa a se chamar, agora, de Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, como forma de combate à luta antirracista, proposta do qual Reginete Bispo foi relatora, e que teve atuação marcante de Daiana Santos na composição da Bancada Preta da Câmara dos Deputados. A vereadora da Bancada Negra, Cuca Congo, também se fez presente. A diretoria que irá comandar os destinos da entidade no biênio 2023-2025 está assim constituída: Presidente, Vanessa da Silva Mulet; Vice-Presidente, Maria Cristina Ferreira dos Santos; Secretária, Tânia Maira dos Santos; Substituta, Margarida Martimiano; Diretoria de Formação Política, Kleber da Silva Rocha; Substituto, Luís Carlos de Oliveira; Diretoria Social, Silvio Garcias; Substituto, Francisco Paiva Moreira; Diretoria Financeira, Eliane Carvalho Valcam; Substituto, Luís Carlos Souza dos Santos; Diretoria de Comunicação, Maria Helena dos Santos; Substituta, Aline Alves. No Conselho Fiscal, os Titulares são Euclides Martins Camargo, Édson Camargo da Cunha e Rogério Wanderley de Oliveira Ribeiro, tendo como Suplentes, Fábio Fonseca da Silva e José Guarassu Barbosa.

No dia 16 de outubro, em Assembleia Geral foi eleita por aclamação a nova Diretoria Executiva e o Conselho Fiscal da Frente Negra Gaúcha, que tomará posse no dia 16 de novembro deste ano. O grupo que irá conduzir os destinos da FNG no biênio 2023/2025 está assim constituído: Presidência - Vanessa da Silva Mulet; Vice - Maria Cristina Ferreira dos Santos; Secretária – Tânia Maira dos Santos; Substituta – Margarida Martimiano; Diretoria de Formação Política – Kleber da Silva Rocha; Substituto – Luís Carlos de Oliveira; Diretoria Social - Silvio Garcias; Substituto - Francisco Paiva Moreira; Diretoria Financeira – Eliane Carvalho Valcam; Substituto – Luís Carlos Souza dos Santos; Diretoria de Comunicação - Maria Helena dos Santos; Substituta - Aline Alves. No Conselho Fiscal, os Titulares são Euclides Martins Camargo, Édson Camargo da Cunha e Rogério Wanderley de Oliveira Ribeiro, tendo como Suplentes, Fábio Fonseca da Silva e José Guarassu Barbosa.

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